Cozinheiro Nacional uma obra que diz muito sobre nossas raizes coloniais

"Se fossem mais conhecidos, estes frutos seriam certamente procurados como especiarias, e poderiam dar lugar a um novo ramo do comércio; mas infelizmente, os brasileiros se acostumaram a desdenhar de todas as vantagens que a natureza lhes pródigou, e na destruição das florestas, que progride, tão rapidamente, a árvore que acabo de analisar não está sendo menos poupada do que tantas outras espécies preciosas, que acabarão talvez por desaparecer por completo"

August Saint-Hilaire Botânico,  naturalista,  e viajante. (1779-1853)

"É tempo em que o Brasil se dispa de suas vestes infantis, e que, abandonando os costumes de imitar as mais nações, se apresenta aos olhos do mundo, ocupado o logar distincto que a natureza lhe marcou”

Em uma época em que se buscava a conquista da autonomia política, “O Cozinheiro Nacional”, lançado na segunda metade do século XIX, surgia para conquistar autonomia cultural e gastronômica do povo brasileiro.

Com o propósito de se “emancipar da tabela européia” o livro veio como uma tentativa de documentar uma cozinha que usasse apenas ingredientes brasileiros.

Logo no seu início o livro traz uma lista de ingredientes de outros países, listados em uma tabela que busca mostrar o seu equivalente nativo-brasileiro que poderiam substituí-los, além disso apresenta receitas de sopas doces e salgadas a base de vinho e o preparo de variados tipos de carnes. 

O livro também se propõe a ensinamentos de alguns pratos, bem como dicas culinárias, como conservar alimentos sem geladeira, por exemplo. 

Dentro do espírito da criação de uma nova identidade nacional o sete de setembro não é apenas para lembrarmos a nossa independência juntos aos países europeus, serve para refletirmos sobre a riqueza cultural e gastronômica que encontramos em nosso país."

O texto acima demonstra claramente que vem de longe nossa colonização cultural, ou melhor o Complexo de Vira-latas, que admira desavergonhadamente, tudo o que vem de fora como estando acima de qualquer comparação com o Brasil.

Estamos falando de um dos primeiros livros de Gastronomia e Culinária editado no Brasil, e publicado no Rio de Janeiro em 1874-78 na segunda metade do século XlX, pela casa editora Garnier, e impresso em Paris, Cozinheiro Nacional.

Sua autoria é creditada a Paulo Salles escritor e editor da B.L. Garner.

Influenciado pela cozinha nacional, e até receitas indígenas, o livro enumera uma seleção de plantas alimentícias, usadas em suas respectivas receitas.

Raiz de Althea, Jacatupé, Frutos do Gravará e Alcaçus, são alguns exemplos da nossa flora, usadas em receitas como geleias, compotas, xaropes e confeitos.

“... os Artistas Brasileiros poderão tirar todo o proveito que desejao dos productos naturaes deste bello e fértil paiz. Os peixes, as aves, as frutas do Brasil gozão de uma reputação que corresponde a sua variedade, sabor e delicadeza.”

”Nosso dever e outro; nosso fim tem mais alcance; e uma vez que demos o titulo „nacional“ a nossa obra, julgamos ter contrahido um compromisso solemne, qual o deapresentarmos uma cozinha em tudo Brazileira, isto e: indicarmos os meios por que se preparão no paiz ascarnes dos inúmeros mamíferos que povoa suas matas e percorrem seus campos; aves que habitão seus climas diversos; peixes que suculão seus rios e mares; reptis quese deslizão por baixo de suas gigantescas florestas, e finalmente immensos vegetaes e raízes que a natureza com mão liberal e pródiga, espontaneamente derramou sobre seu solo abençoado; mamíferos, aves, peixes, reptis, plantas e raízes inteiramente differentes dos da Europa, em sabor, aspecto, forma e virtude, e, por conseguinte exigem preparações peculiares, adubos e acepipes especiaes, que somente se encontrão no lugar em que abundão aquellas substancias, e que são reclamados pela natureza, pelos costumes e ocupações dos seus habitantes”

No ano de 1840, quando o jovem Pedro II foi nomeado imperador, surgiu no Brasil o primeiro livro de culinária, editado no Brasil. 

Os irmãos alemães Eduardo e Henrique Laemmert,situados na Rua da Quitanda e, a partir de 1874, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, editaram o livro de culinária sob o pseudônimo R.C.M.:

 "Em todos os seus ramos contendo differentes sopas e variadíssimos manjares para com perfeição e delicadeza se prepararem caris, vatapás, carurus, angus, moquecas e diversos quitutes de gosto esquisito:de aves, peixes, mariscos, legumes, ovos, leite; o modo de fazer massas e doce Precedido Do Methodo Para Trinchar E Servir Bem À Mesa. 

Com Uma Estampa Explicativa E Seguida de Um Diccionario Dos Termos Techinicos Da Cozinha.“

Separei 5 receitas onde podemos encontrar a utilização de plantas tradicionais ou Pancs.

84. Capão estufado com Gerumbeba (figueira de inferno). 

— Enche-se o capão com as fructas da figueira do inferno, que são previamente passadas no borralho ou em brazas para limparem-se dos espinhes, que as cobrem ; descascadas e partidas, deitão-se n'uma panella com meia libra de toucinho picado, sal, pimenta, noz moscada, trez chicaras de vinho branco e uma d'agua ; põe-se-lhes uma tampa, que se gruda, e fervem-se sobre fogo moderado até estarem cozidas, tira-se a gordura do' molho, e servem-se com o mesmo.

Sobre a Gerumbeba (Figueira do inferno)

No texto a descrição feira se relaciona ao fruto da Palma.

Opuntia ficus-indica (tabaibeira, figueira-do-diabo, figueira-da-Índia, piteira, tuna, figueira-tuna,figueira-palmeira ou palma) é uma espécie de cacto. Planta comum em regiões semi-áridas, possui alto teor de carboidratos não fibrosos, vitamina A e ferro.

27. Peru ensopado com ora-pro-nobis. 

— Derretem-se duas colheres de manteiga, que, estando bem quente, deitão-se-lhe os pedaços do perú, virando-os para frigirem 

dos dois lados ; tirão-se do fogo, deixão-se esfriar para depois ajuntar-lhes umas chicara d'agua com duas de leite já 

fervido, um dente d'alho. sal, noz moscada e duas gemas d'ovos : torna-se a levar tudo ao fogo e depois de fervido.

Sobre a Ora-pro-nobis

Pereskia aculeata, popularmente conhecida como ora-pro-nóbis, orabrobó, lobrobó ou lobrobô, é uma cactácea trepadeira folhosa. É uma planta bastante rústica, perene, desenvolvendo-se bem em vários tipos de solo, tanto à sombra como ao sol. 

31. Peru estufado com Grelos de Abóbora- — Toma-se o peru, corta-se-o em pedaços, ihvolvem-se estes em farinha de trigo, e deitão-se n'uma panella com meia libra de toucinho picado, sal, noz moscada, uma cebola cravada de cravos da índia, uma porção de grelos de abóbora descascados e escaldados em água quente, e quatro chicaras de caldo de carne ou água ; tendo o cuidado de grudar a tampa : deixão-se ferver, durante duas horas, sobre brazas ou perto do fogo ; estando' cozidos, deitão-se os grelos no prato, cobinando-os com uma delgada camadade pão ralado ; deitão-se-lhes os pedaços do peru por cima, e despeja-se, sobre o todo, o molho coado e eugrossado com uma gema d'ovo, e serve-se.

Cambuquira assim chamado os grelos da aboboreira são fáceis de retirar , ou seja pegue a ponta da rama que vai se estendendo e corte aproximadamente um palmo da ponteira.

Cambuquira é como os Portugueses e Mineiros chamam os brotos e flores da abóbora, abobrinha ou do chuchu, que pode ser usada como complemento de diversos pratos culinários.

À Cambuquira ou grelos são uma boa fonte alternativa de ferro, essa é a conclusão de um estudo realizado na Embrapa Hortaliças (Brasília-DF), unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que avaliou os teores desse nutriente em plantas aos 40, 47 e 54 dias após o transplantio. 

A pesquisa verificou que o teor mínimo de ferro estimado em 100 gramas de matéria seca de brotos foi de 18,01 miligramas. Uma pessoa em condições normais de saúde necessita de uma dose diária de 15 miligramas de ferro.

86 . Marreco estufado com Cará do ar . 

— Põe-se o marreco de molho, untado do sal, sumo de alho e de cebola, e pimenta moida, salsa picada e vinagre; passados seis a oito horas, tira-se-o, e enche-se de cará do ar ralado, e misturado com trez colheres de manteiga, trez de queijo ralado, pouco sal e canella moida; deita-su o marreco cheio sobre uma lasca de toucinho, e cobre-se cora outra lasca, ajuntando seis a oito cebolas, uma chicara de caldo, sal, pimenta e salsa picada; gruda-se a tampa, e deixa-se ferver durante hora e meia, sobre um fogo regular ; estando assado, tira-se o marreco,coase-lhe o molho, do qual se tira a gordura, que se deita sobre o marreco posto n'um prato, collocando as cebolas em roda.

Sobre o Cará do Ar:

Dioscorea bulbifera é uma espécie da família Dioscoreaceae cultivada pelos seus tubérculos ("batatas") e bulbos axilares.

Dependendo da região, esta espécie pode ser chamada de inhame ou cará; mais especificamente, de cará-do-ar ou inhame-do-ar, cará-moela, cará-voador, cará-de-árvore, cará-taramela, cará-de-rama, cará-aéreo, air potato ou potato yam

É uma espécie trepadeira, perene, tuberosa e pouco vigorosa com tubérculos subterrâneos maiores (bulbilhos) e aéreos menores em forma de moela inseridos nas axilas das folhas, nativa da África e Ásia Tropical. 

1 1 . Anta guisada com Sapucaias. 

— Toma-se um pedaço de carne de anta, ferve-se-o com sal, água, cebola, 

salsa, pimenta, cravo da índia e gengibre ; estando cozida, tira-se a carne e refoga-se em trez colheres de gordnra,duas de 

farinha de trigo, uma cebola picada ; ajuntão-se, depois, uma chicara de caldo coado, outra de nata de leite, e uma porção de amêndoas de sapucaias cortadas; deixa-se ferver e serve-se.

Sobre a Sapucaia 

A sapucaia (nome científico: Lecythis pisonis) é uma árvore brasileira que vai do Ceará ao Rio de Janeiro, com bastante predominância nos estados do Espírito Santo e Bahia e são encontradas na Amazônia e na mata atlântica.

“Sapucaia” este termo se origina do tupi, que significa “ fruto que faz saltar o olho”, e isto se deve ao fato de que ao abrir o opérculo do fruto (estrutura que serve de tampa ou cobertura a uma cavidade ou orifício) a mesma fica com um formato de um olho. Em contrapartida, há quem acredite que a palavra tem origem na palavra tupi para galinha(elemento de troca entre índios e portugueses, no início da colonização, que as trocavam pelas sementes do fruto – castanhas)

Para conhecer um pouco mais a obra original, acesse: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/06005700#page/14/mode/1up

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