"A descoberta de um prato novo é mais útil ao gênero humano do que o descobrimento de uma estrela"

"A descoberta de um prato novo é mais útil ao gênero humano do que o descobrimento de uma estrela" 
Esta máxima de Brillat-Savarin, demonstra claramente a importância que a gastronomia teve no seculo XVIII para os franceses, e denota porque ela seguiu sendo uma grande referencia até os dias de hoje. 


Vários fatores contribuem para um distanciamento do ser humano em relação ao alimento, a urbanização rápida e a industrialização tornaram processo generalizados que infelizmente destrói a diversidade de sabores, em nome do capital, a ambiguidade do discurso "gastronômico", induzindo gostos , comportamentos e evidentemente consumo, por um lado desperta, por outro não aprofunda, acaba por inibir o conhecimento em rótulos padronizados, que geram um pensamento único e um paladar restrito.

Podemos ver isso claramente no modelo agrícola de exportação brasileiro, baseado na monocultura e na concentração da propriedade rural, como por exemplo o cultivo da monocultura soja, fazendo com que uma serie de outras culturas importantes se percam. 

Nunca se falou tanto em sabor, mas será que estamos abertos à diversidade que a natureza nos oferta? 

A pasteurização do sabor e sua uniformização são fatores que provem do desconhecimento das potencialidades dos alimentos, muito frequente numa sociedade que esta habituada a consumir o estritamente o que é imposto pela mídia. 
A ideia de diversidade está ligada aos conceitos de pluralidade, multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade e variedade, e é exatamente a diversidade que faz a riqueza quando falamos em gastronomia, e nada melhor quando tocamos neste tema que falar de (PANC). 

Recentemente, em texto Carlos Alberto Dorea, fez uma ótima reflexão sobre materiais disponíveis sobre o tema, cita Alex Atala, Ana Luiza Trajano, e principalmente Valdely Ferreira Kinupp e Hari Lorenzi, sendo Kinupp, responsável por cunhar o termo (PANC). 















Mas que memoria paladar vai ter a próxima geração? Podemos falar que das 3 culturas que formaram as nossa raízes culinárias, todas contemplaram por exemplo os alimentos á base de folhas, podemos citar na cultura portuguesa o Esparregado, feito a partir das folhas do espinafre, na cultura indígena com a Maniçoba e o Tucupi, mas quero hoje falar do legado de matriz Africana, os guisados de folhas ou Obé-Ewé, que na língua Ioruba, quer dizer Guizado de Folhas. 

Ko sí Ewé, Kosí Orisá! 
A Força que vem das Folhas 
Expressão no idioma Yorùbá que quer dizer: "Se não há folhas, não há Òrìsà!" 
Muitas das plantas utilizadas nos rituais afro-brasileiros têm suas raízes fortemente estabelecidas nos costumes tradicionais africanos. 

As folhas têm uma importância vital para o povo do santo, sem ela é impossível realizar qualquer ritual (“Sem folha não existe Orixá”).

Esta expressão dá ao leitor o entendimento da importância das folhas dentro dos rituais de origem africana, no entanto, queremos aqui ampliar este conceito, traduzindo por folhas os vegetais de um modo geral, incluindo além de suas folhas, seus frutos, sementes, e até mesmo seu caule; e traduzindo por Òrìsà, os diversos usos "mágicos" desses vegetais. 











O Jambú (Spilanthes acmella) é uma f
olha muito importante dentro do culto aos orixás, nas casas de Candomblé Ketú da Bahia, recebem os nomes de awùrépépé, éurépepe ou ainda oripépe. 

Leia também: Efó de Ora-pro-Nobis e Flores de Jambu receita do chef Alicio Charoth 

Comidas que fazem parte do cardápio votivo de entidades ligadas ao candomblé, e que já determinavam o conhecimento e as possibilidades organolépticas da diversidade e grande variedade de folhas e leguminosas da nossa flora. 

Para Manuel Querino a comida, refletia o sentimento de pertença, e de valorização destas referências que trazem histórias pessoais e histórias que se ampliam com as muitas matrizes africanas que fazem parte da Bahia. 

Obé Ewê, seria um nome genérico para estes guisados, onde o mais conhecido é o Efó, sendo que com reservas ao nome.

Latipá (Prato feito com as folhas da mostardeira inteiras (Sinapis Alba), cozidas, temperadas e fritas em azeite de dendê).
Folhas de Mostarda (Latipá)









Estas duas preparações são bons exemplos com com as folhas inteiras, as quais, depois de fervidas, temperavam como o efó e deitavam em frigir no azeite-de-cheiro. 

No caso do Amori, são usadas folhas de Bertalha 
(Basella alba), prato oferecido para o orixá Xapanã, onde as folhas são picadas, refogadas e cozidas dentro das folhas da bananeira. 

Folhas de Bertalha (Amori)









No latipá as folhas são fervidas e em seguida são espremidas depois refogadas e cozidas com camarão seco e defumado, cebola e azeite de dendê.

Obejílá, também um prato votivo e ritual dedicado a Xangô no Candomblé, feito com folhas de Bico-de-Papagaio (Centropogon surinamensis Pers)
Obé-Ewê para a Orixá Oxum se prepara segundo a Ialorixá Olga do Alaqueto com os olhos do quiabeiro (Hibiscus esculentus) 

A Taioba(Xanthosoma sagittifolium) a Língua de Vaca(Chaptalia nutans (L.) Polak) ou o Bredo(Amaranthus viridis L.) também se prepara um delicioso guisado Caruru é a designação comum a certas plantas do gênero Amaranthus, da família das amarantáceas, algumas de folhas comestíveis, bastante utilizada em culinária. 

Segundo o naturalista Guilherme Piso, que viveu em Pernambuco (1638-1644), o caruru é um prato de origem africana, também designando uma erva de uso medicinal e alimentício. 



















No seu relato em Historia Naturalis Brasiliae, o médico do conde Maurício de Nassau informa que "come-se este bredo (caruru) como legume e cozinha-se em lugar de espinafre...". Outro relato, em 1820, na Amazônia, por Von Martius, cita o "caruru-açu" durante uma refeição com os nativos próximo ao rio Madeira, quando experimentou "um manjar de castanhas socadas com uma erva parecida com o espinafre...". 


Durante sua visita à África, em 1957, o padre Vicente Ferreira Pires chamou de "caruru de galinha" a refeição em Daomé, revelando que o caruru já possuía influência africana pelo uso do dendê, palmeira de origem africana.

Originalmente, o caruru brasileiro era um refogado de ervas que servia para acompanhar outro prato (carne ou peixe). 
A versão atual do caruru, no entanto, é mais africana que indígena, sendo feita com quiabo, pimenta-malagueta, camarão seco e azeite de dendê.

O fotografo e etnólogo Pierre Verger, em seu livro Ewé, recolheu e catalogou informações sobre 3.549 plantas usadas pelos iorubás, sendo que cerca de 200 delas são conhecidas no Brasil pelos nomes africanos. 
Em 1969, mandou 1.210 exemplares para Paris. 
Em 1976, doou 150 plantas da flora baiana ao Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia. 
Na reunião e classificação dessas plantas, ele contou com a ajuda de instituições como o Serviço Botânico de Ibadan, de pesquisadores como o biólogo Alexandre Leal Costa e de sacerdotisas como Mãe Senhora e Olga do Alaketu. 

Os primeiros textos sobre o assunto começaram a ser publicados no final da década de 60, tratando de aspectos como a memorização do uso das plantas através de versos, o sistema de classificação de plantas criado pelos iorubás e outros. 
Claude Levi-Strauss tem importância fundamental na investigação sobre as culturas culinárias, ele propôs uma análise abrangente da dimensão de comer e beber, com categoria como o Gustema, onde valores de referência de análise universal para o estudo da comida na sociedade são discutidos, tal qual um Pantone, o espectro culinário é infinito e deve ser mais explorado, compreendido e aprofundado, correndo o risco de aniquilarmos nosso prazer sensorial.

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