Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-Catado de Siri  
Em mar de Traía, todo Siri é rei! 
Em tempos bicudos, de delação por todos os lados, onde trair virou regra, o Siri, este animalzinho de beira-d’água, faz muito politico sentir inveja Boca-de-siri 
A expressão "Boca de Siri", deve-se à anatomia do pequeno crustáceo, que tem uma boca tão minúscula que, dificilmente, pode ser identificada a olho nu. 



























O siri, ao prender alguma coisa com a "boca", que é uma de suas garras, não solta nem mesmo depois de morto. 
Ora, como fechar a boca implica ficar calado, fazer boca-de-siri passou a substituir uma explicação muito mais extensa que pudesse indicar o ato de calar-se ou fazer segredo rigoroso. 
"O que em algumas partes do litoral brasileiro chama-se Casquinha de Siri, na Bahia, tem o nome de Catado, uma clara referência ao trabalho desenvolvido por Marisqueiras.
"Do Catado", são feitos vários tipos de preparações, Moquecas, Ensopados, Frigideiras emfim."

A carne de siri é apreciada desde os índios.  O termo "Siri" vem do Tupi,  tupisi'ri, que significa "correr, deslizar, andar para trás", numa referência ao modo como o siri se locomove. A técnica de catar o crustáceo é a mesma que já utilizavam os indígenas, fartos comedores de caranguejo - vai-se com lama até os joelhos e recolhe-se os caranguejos no tato e no jeito, para que os dedos não sejam aferroados pelas puãs. 

O Siri era alimento de indígenas de todo litoral brasileiro. Com esqueleto externo (casca) e 10 patas, sendo o último par de patas funciona como nadadeiras. 
O Siri “nada” melhor que seu “primo” caranguejo, que prefere a areia ou pedras, tem patas articuladas na lateral do corpo, que torna difícil a movimentação para frente e para trás, mas fácil para os lados, que em conjunto com os olhos, isso forma uma estratégia de sobrevivência" 
Por causa do tipo de visão: os olhos são dispostos lateralmente. Isso facilita a fuga de seus predadores - grupo no qual se incluem até alguns tubarões - e a competição por alimentos. Sergipe é “no rio do siri” originários da beira-mar e integram a chamada “cultura caiçara”, de locais à beira-mar e forte influência de índios e pescadores. 

O siri é encontrado em todo o litoral do Brasil e de quase todo o mundo A pesca e cata do siri é uma das principais adaptações dos sistemas pesqueiros, trabalho eminentemente feminino, desempenhando papel fundamental na manutenção do modo de vida dos pescadores artesanais, principalmente em anos de baixa produtividade de camarão. , As artes de pesca e calendário de pesca do siri esta relacionado com as principais safras que os pescadores realizam. 
Mais ao sul, a safra mais importante é o do camarão, sendo ela que regra o calendário de pesca do siri, já nas porções ao norte os pescadores dependem mais das safras de peixes, portanto sendo esta que regra o calendário de pesca. http://www.geomorfologia.ufv.br/simposio/simposio/trabalhos/resumos_expandidos/eixo12/007.pdf 

Os siris classificam-se cientificamente como Crustacea ("carapaça dura") Decapoda ("dez patas") Brachyura ("cauda reduzida") da família dos portunídeos. 
A principal característica externa que os diferencia dos demais decápodes (os quais reúnem os siris e os caranguejos) é a modificação de seu último par de apêndices locomotores (patas), que assumem a forma de nadadeiras. 

Sendo assim, os siris possuem uma capacidade de maior locomoção em ambientes aquáticos que seus "primos" caranguejos, que limitam a vida a substratos como areia, rochas, dentre outros. 
Por esse motivo, em alguns países, como nos Estados Unidos, os siris são chamados de swimming crabs ("caranguejos nadadores"). 
Outras características externas que os diferenciam das demais espécies de crustáceos é o prolongamento longitudinal de sua carapaça, o qual possui a forma de um espinho lateral bem pronunciado em algumas espécies e também a carapaça achatada, possibilitando uma melhor hidrodinâmica e exploração de tocas e afins. 

Segundo Diegues (1983, p. 91): (...) no mar estão as condições naturais de produção; os recursos marinhos que nele existem antes da captura são recursos potenciais. Na medida em que através do trabalho, o pescado é capturado, ele se transforma em objeto de trabalho, em meio de subsistência (objeto separado de suas condições naturais de subsistência). O peixe, na medida em que é processado, seja no barco-fábrica, seja na indústria de terra, transforma-se em matéria-prima. " 

Das artes de Catar Siri 



















O árduo trabalho consiste em separar a carne da cartilagem, normalmente afiada do Siri. 

"Eu comecei a mariscar com 10 anos, com minha Mãe e minhas tias. Minha mãe conta que ela estava grávida de mim, no dia 26 de junho 1960 ela foi mariscar com o barrigão quando chegaram 3 horas da tarde, ela com a cesta cheia, o marisco pesado e muito cansada. Começou a dar dores de parto... Logo me pariu, não deu tempo de cuidar dos mariscos! Eu nasci. Cresci vendo ela pescar para nos criar, no mangue e no rio."

Assim começa o emocionante relato da Marisqueira no Livro Cotidiano e Trabalho das Marisqueiras e Catadeiras de Valença-BA, que nos permite conhecer histórias de mulheres de Valença-BA, que guardam profundas relações com a natureza e mantém vivos saberes e práticas aprendidas com as suas antepassadas: o ofício de “mariscar para viver e viver para mariscar”.


O trabalho das mulheres no setor pesqueiro tem permanecido, em grande medida, sem visibilidade social, seja pelos problemas políticos e econômicos ligados ao setor ou pelas práticas culturais e de gênero reproduzidas no âmbito da família e da comunidade. 
Embora possamos identificar diferenças em relação à conjuntura local e internacional, alguns problemas enfrentados pelas mulheres no desempenho das atividades de pesca permanecem e se assemelham em diferentes regiões do mundo, apesar dos avanços no que concerne ao papel da mulher em sociedades mais desenvolvidas. 
Na captura do siri com manzuá a parte interna da cabeça do caranguejo é utilizada como isca enquanto na captura com gereré, instrumento de pesca colocado no fundo da maré põem uma redinha com pedaços de peixe usados como isca.

Já na captura do siri com gaiola, que é deixada no meio do rio, fazem uma ou duas mariscadas por dia, uma à tarde conforme a maré e outra pela manhã e se a maré não permitir, mariscam no dia seguinte. 

A captura do siri ocorre ainda com o ripichel . 
Após a captura, deve-se colocar uma das pernas do animal dentro da boca para que ele não morda. Extrair a carne do siri, é tarefa complicada, exige conhecimento e paciência, um trabalho duro e mal remunerado, ficando a cargo dos intermediários o lucro final. 
A extração consiste na retirada da carne do crustáceo, previamente cozido, utilizando-se uma pequena faca de ponta, usada como espátula, para extrair os filamentos de carne das patas (quelípodas) e carcaça (abdômen e peças bucais) do siri. 
O catado é depositado em recipientes (caixas de plástico ou vasilhas domésticas). Quando o pescador responsável pela encomenda ou o próprio pombeiro não vem apanhar o produto no mesmo dia, este é armazenado em geladeiras domésticas.
O produto é colocado, então, em sacos plásticos, pesado e entregue aos pombeiros ou pescadores, que comercializam nos mercados. 
O processo de extração da carne produz ferimentos perfurocortantes sistemáticos que, podem até levar à perda das digitais. As mãos das descarnadeiras em períodos de longas jornadas ficam inchadas e até sangram. 
Cada pescador de siri possui seu grupo de descarnadeiras que podem ser as mulheres da própria família ou vizinhas que são “contratadas” por esse pescador ou por um pombeiro. 
A rede de intermediação pode envolver mais ou menos pessoas. Às vezes o pescador que captura o crustáceo também realiza o cozimento e outras vezes, entrega para o pombeiro local e esse é que o comercializa. 

O cozimento do produto é realizado nos quintais das casas, em geral em pequenas fogueiras improvisadas, utilizando-se latas ou panelas. 
Geralmente são os homens que realizam essa tarefa. 
As condições precárias de trabalho influem na imagem desqualificante da atividade e produzem um constrangimento nas próprias mulheres que estão trabalhando nos quintais e que às vezes evitam se expor aos visitantes. 
O trabalho de extração do siri sofreu poucas mudanças ao longo do tempo, permanece ainda com características rudimentares de trabalho. 
O tempo de existência dessa atividade, segundo os depoimentos, é de mais ou menos 50 anos, sendo Itaoca considerado um dos pontos mais tradicionais na utilização dessa técnica no Rio de Janeiro, reunindo um grande número de mulheres nessa atividade. A estimativa, segundo as associações locais (Sirluz e Associação de Pescadores da Praia de São Gabriel), é de que existam cerca de 160 mulheres envolvidas nessa atividade na Ilha, confirmada pelo registro feito informalmente por uma liderança local, na ocasião do movimento para criação de uma Cooperativa de Descarnadeiras. 
"Em nosso universo de pesquisa, ou seja, o grupo de descarnadeiras, as tarefas que envolvem a extração da carne de siri são entendidas como forma tradicional e complementar ao grupo de pesca (tarefas dos homens). Cada descarnadeira se referencia a um pescador (tiram siri para) que pode ser pai, marido, irmão ou outros. É uma atividade de trabalho que envolve parceria e compromisso, sem vínculo de contrato."
Quando alguém não pode tirar siri, indica outra descarnadeira ou pede ajuda para não falhar com o compromisso assumido. Isso inclusive reforça as alianças de grupo em torno dos códigos de trabalho. 
É preciso se ter certeza que cada um cumpre o seu papel, já que o produto da pesca é imprevisível e altamente perecível. É comum os homens avisarem quando não vão pescar siri, para que as mulheres não aguardem o produto. 
Ou seja, os códigos de trabalho não são estabelecidos apenas sob a tradicional oposição trabalho de homem x trabalho de mulher, mas sobre as relações de um grupo específico de homens e mulheres na reprodução de sua vida material e simbólica. Em princípio, são apenas petrechos de pesca. 

No entanto, ao atribuírem um significado especial, uma marca individual 98 ou de grupo, ao definirem uma disposição espacial daquele objeto na casa, significados afetivos são construídos e compartilhados e um território é demarcado. 
No trabalho com a extração de carne de siri, por exemplo, as pequenas facas utilizadas são relíquias para as descarnadeiras e não se misturam às outras facas e utensílios domésticos. Segundo as mulheres: _ Elas pegam o jeito da mão...a gente se acostuma a tirar com essa faquinha e outra atrapalha. http://www.uff.br/pos_educacao/joomla/images/stories/Teses/mcmartins05.pdf

Bem ao final deste trabalho, fica claro o quão pouco valor damos aos artificies do trabalho de coleta e cata desta deliciosa iguaria, o que me recorda Caymmi, "Todo mundo gosta de Acarajé, o trabalho que dá pra fazer é que é!

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