OS INVENTORES DA FESTA DE IEMANJÁ
Por Nelson Varón Cadena
Quem inventou a festa de Iemanjá no Rio Vermelho, foram os pescadores, inicialmente sem nenhum vínculo com os terreiros de Candomblé, a partir do segundo rito, entre 1923 e 1924, obedecendo as orientações da Mãe de Santo, Julia Bugã, desde então praticando-se os preceitos recomendados e, a partir de 1967, os do presente principal. Naqueles idos, o presente de Iemanjá, era evento coadjuvante da Festa de Nossa Senhora de Sant’ Anna e assim foi até a década de 1970.
Os pescadores inventaram a Festa de Iemanjá, não o culto, são coisas diferentes, faço questão de acentuar isso porque a mídia costuma confundir uma coisa, com a outra. O culto se originou, numa praia de Itapagipe, em frente ao Forte de São Bartolomeu, sob a liderança do Mestre e Pai de Santo Atarê, no final do século XIX, segundo o relato de Manoel Querino.
A festa com romaria no mar, nasceu, primeiro em Itapuã, e, a partir da década de 1920, no Rio Vermelho. Mas foram os influencers__ para usar uma expressão em voga__ das décadas de 1940/50 que lhe deram personalidade e presença midiática na Bahia e no Brasil. Quais influencers? Dorival Caymmi, Jorge Amado, Pierre Verger, Odorico Tavares, Joãozinho de Goumeia, Roger Bastide, Jamelão, os principais.
E, obvio, para o Povo de Santo, Julia Bugã, já citada, e na sequência cronológica, Mãe Emília e Mãe Catita, do Terreiro do Engenho Velho da Federação; o Pai de Santo Cipriano do Candomblé do Bogum; Mãe Lourdes do Terreiro do Engenho Velho de Brotas; Mãe Olga Kolossi do terreiro Odé Konifa Odorum; Mãe Aice de Oxossi, do terreiro de Odé Mirim do Engenho Velho da Federação; Mãe Jacira do Obalaué, do Terreiro Ilê Axé Jibayê, de Itinga e as lideranças religiosas do Terreiro Casa de Oxumaré, em tempos recentes.
Falei neste espaço da iniciativa dos pescadores, no início da década de 1920, em fazer uma oferenda a Iemanjá. Os precursores. A turma comprou um boneco e “um cheiro bom”, colocou numa caixa de papelão, modesta oferenda que foi o primeiro presente para a Rainha das Águas, levado ao mar num saveiro enfeitado com bandeirolas de papel. Quem eram esses pioneiros? Astério Diogo, Zequinha, Alípio Capenga, Foló, Olavo, Ananias, Ismael, Faustino, Satu, Tanajura, Eustáquio Bernardino, José Moita, Pedro Moita e Siben Moita.
Cabe citar aqui Flaviano dos Santos, outro trabalhador do mar, que nas décadas de 1960 e 70 assumiu as articulações com o poder público, artistas e a comunidade do bairro. Os artistas baianos, em evidência na mídia nacional, popularizaram a música de Caymmi, Dois de Fevereiro, gravada pela Odeon. A cantora Maria Bethania, gravou em 1969 e Gal Costa, em 1970. Outros intérpretes na sequência contribuíram para a música se tornar, de fato, uma espécie de hino oficial.
Citei entre os influencers Jamelão, o puxador da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. Por mais de 30 anos veio à Bahia para participar da festa do 2 de fevereiro; embarcava no saveiro Flor das Águas, acompanhando o presente principal. Em 2002, desfilando na Mangueira, a rede Globo transmitindo para o Brasil, cantou o samba-enredo “Jogo flores ao mar para saudar Iemanjá/E na Lavagem do Bonfim, eu peço Axé”.
Caetano Veloso, homenageou o cantor na música “Onde o Rio é mais Baiano”: “E agora estamos aqui/Do outro lado do espelho/Com o coração na mão/Pensando em Jamelão, no Rio Vermelho”.
Quem também inventou a festa foi o Governo, o poder público, que a partir de 1967, inicialmente com a estrutura da Sutursa, passou a apoiar o evento, com recursos e campanhas publicitárias. Um dos benefícios foi a recuperação da Casa do Peso, e as várias intervenções realizadas ao longo dos anos, o espaço ganhou um monumento externo, obra do artista plástico Manoel Bonfim. Que representa a Iemanjá índia, mestiça e branca. Originalíssima em relação às Iemanjás do Rio de Janeiro, cidade s da Europa, Cuba, dentre a imaginaria construída em torno da mística da Rainha das Águas. (Nelson Cadena)
Foto de Marcel Gautherot, 1957, do acervo do Instituto Moreira Salles-IMS
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