Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-M Manauê de Arroz.

O arroz, hoje tão vulgar em nossa mesa, é pouco lembrado, apesar de ter tido importância econômica significativa na Bahia, sendo um dos grandes cultivos agrícolas para a exportação desde o século XIX.



Para os Tupis, o arroz era o “milho dágua” (abati-uaupé) que muito antes de conhecerem os portugueses, já colhiam nos alagados próximos ao litoral. 
Consta que integrantes da expedição de Pedro Álvares Cabral, após uma peregrinação por cerca de 5 km em solo brasileiro, traziam consigo amostras de arroz, confirmando registros de Américo Vespúcio que trazem referência a esse cereal em grandes áreas alagadas do Amazonas. 
Em 1587, lavouras arrozeiras já ocupavam terras na Bahia e, por volta de 1745, no Maranhão.  
Em 1766, a Coroa Portuguesa autorizou a instalação da primeira descascadora de arroz no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. 
A prática da orizicultura no Brasil, de forma organizada e racional, aconteceu em meados do século XVIII e daquela época até a metade do século XIX, o país foi um grande exportador de arroz. 
Na primeira década do século XIX há um aumento considerável da exportação de arroz da Bahia para o reino, excedendo a média de 50.000 arrobas (ALEXANDRE, 1992, p. 40-41). 
Enfim, a cidade de Salvador tornou-se o principal núcleo articulador da multifacetada política econômica, tendo o Recôncavo a região agrícola mais significativa.


Fundamental e relevante o trabalho da folclorista Hildegardes Vianna, em seu livro A Cozinha Baiana, seu folclore e suas receitas, editado em 1951, nos mostra a presença do pilão nas cozinha baianas da época. 
                                        




Desenho de Lênio Braga ilustra a primeira edição do livro da folclorista Hildegardes Vianna em 1955


Uma curiosidade, é que receita da Hildegardes, faz referencia ás medidas utilizadas na época, tais como libras.





Não existe consenso quanto à origem etimológica do vocábulo manauê. 
Manauê ou manuê, é um bolo de massa densa, eram assado em folhas de banana, cuja confecção data do Brasil colônia, sendo tradicional até hoje nos festejos juninos. 

Seus ingredientes variam conforme o costume da região; geralmente consistem de milho verde ou fubá de arroz, que pode ser substituído pela mandioca ou também levar farinha de trigo, leite de coco, coco ralado, açúcar ou melaço e manteiga.

A necessidade em adaptar as receitas tradicionais portuguesas aos ingredientes disponíveis na colônia (uma vez que outros como a farinha de trigo e mesmo o açúcar eram artigos de luxo) ou podemos imaginar também a familiaridade dos escravos vindos de Cabo Verde com a produção do arroz e as técnicas de processamento alimentar como o pilão, talvez tenha sido um dos fatores da criação desta receita.

Segundo o pesquisador Nei Lopes, manuê; provém de orig. africana, possível alt. do ior. amala-we ou talvez relacionado com o quicongo. mun-wá 'boca'; tb. adp. manuê; 
numa possível transcrição do iorubá, a palavra mana-wê, significaria Poder
A palavra Anauê seria, segundo um vocábulo de origem tupi, que servia como saudação entre os indígenas e de brado. É uma palavra com conteúdo afetivo que significa: "Você é meu irmão". 

O Arroz nosso de cada dia
Símbolo de fertilidade, o arroz tem cerca de cinco mil anos, como alimento básico.
Diversos historiadores e cientistas apontam o sudeste da Ásia como o local de origem do arroz. 
Na Índia, uma das regiões de maior diversidade e onde ocorrem numerosas variedades endêmicas, as províncias de Bengala e Assam, bem como na Mianmar, têm sido referidas como centros de origem dessa espécie. Duas formas silvestres são apontadas na literatura como precursoras do arroz cultivado: a espécie Oryza rufipogon, procedente da Ásia, originando a O. sativa; e a Oryza barthii ( =Oryza breviligulata), derivada da África Ocidental, dando origem à O. glaberrima. 
O gênero Oryza é o mais rico e importante da tribo Oryzeae e engloba cerca de 23 espécies, dispersas espontaneamente nas regiões tropicais da Ásia, África e Américas. 
Na Europa, o arroz começou a ser cultivado nos séculos VII e VIII, com a entrada dos árabes na Península Ibérica. 
Foram, provavelmente, os portugueses quem introduziram esse cereal na África Ocidental, e os espanhóis, os responsáveis pela sua disseminação nas Américas. 

"As bases para o novo desenvolvimento da sociedade europeia estavam, em parte, localizadas na exploração das colônias, seja através da importação de matérias-primas para a sustentabilidade das manufaturas europeias, seja através da imposição de tributos, ou ainda das cobranças de aduana em cada um dos portos espalhados pelo mundo, além da determinação dos contratos monopolistas e das companhias de comércio. 
Esse processo de imposição mercantilista a partir dos núcleos da civilização moderna europeia propiciou a profunda consequência para a história mundial de “estabelecer um domínio do globo por uns poucos regimes ocidentais que não tem paralelo na história”
 (HOBSBAWM, 2002, p. 18)" 

A utilização do trabalho escravo na América esteve associada com a agricultura para exportação. 
Entretanto, não houve regime escravista no qual os escravos foram utilizados somente naqueles cultivos; mesmo nas áreas mais orientadas para a exportação, houve produção de gêneros alimentícios para consumo próprio e abastecimento do mercado local, alguns autores apontam o Brasil como o primeiro país a cultivar esse cereal no continente americano.


Muito antes das incursões ultramarinas, a coroa portuguesa já apoiava o comércio internacional fazendo com que para Portugal convergissem mercadorias de diversas partes. Lisboa tornara-se centro de uma rede de redistribuição de gêneros oriundos de toda a Europa, bem como “de empórios orientais como o golfo Pérsico, a Índia, a Indonésia, a China e o Japão”. 

As descobertas marítimas antes marcaram um tempo caracterizado pelo aumento do volume, de disponibilidade, de variedade e de menor custo de tais mercadorias do que, propriamente, inauguraram uma nova era de afluxo de produtos totalmente desconhecidos para os portugueses (RUSSEL-WOOD, 1998, p. 194). 
Gêneros europeus e, principalmente, subprodutos da agricultura americana, como o tabaco e a cachaça, movimentavam o comércio direto e específico entre a Bahia e a África, principalmente a partir da entrada gradual, porém definitiva, no decorrer do século XVIII, de comerciantes baianos e portugueses, fixados na Bahia, no tráfico de escravos (VERGER, 1987, p. 24-25) 

ANGOLA 
Grande "produtor" de escravos 
Calcula-se que tenham saído de Angola, entre 1501 e 1866, quase 5,7 milhões de escravos: foi uma das grandes fontes emissoras desde o século XV a meados do século XIX. 
Muitos dos escravos provenientes da de Cabo Verde, que aqui chegaram, foram aproveitados nas plantações agrícolas.

Há algumas razões que sugerem o relevante papel do arroz africano no estabelecimento de tal cultivo nas Américas. 
A partir de meados do século XV, a colonização das Ilhas do Cabo Verde, em especial de Santiago, desenvolveu um ativo comércio com os povos da costa oeste africana de cera, peles, índigo, alimentos, sal e escravos (Brooks, 1993: 130, 129). 

Desde o século IX o litoral e ilhas distantes da costa da Guiné, da Guiné-Bissau e Serra Leoa foram importantes entrepostos para o comércio de sal a longa distância (Brooks, 1993: 80). 
A pesquisadora Judith Carney afirma que Cabo Verde era um importante entreposto comercial de abastecimento para navios portugueses que cruzavam o Atlântico para alcançar o Brasil, muitos dos cultivos de alimentos e animais introduzidos no Brasil advindos da Europa e da África eram comprados em Cabo Verde como mantimentos dos navios negreiros. 
De fato, um documento da década de 1530 identificou, explicitamente a compra, para o navio, de grãos de arroz (prontos para serem plantados) para sua viagem ao Brasil. 
Em 1587, o produtor de açúcar, Gabriel Soares de Sousa, registrou a plantation de arroz como cultura alimentar na Bahia, quase um século antes da presença deste na colônia britânica da Carolina do Sul (Blake 1977) 

Quando o naturalista Guilherme Piso chegou na ocupação holandesa em Pernambuco, em 1637, o arroz já estava estabelecido como alimento básico de subsistência (Piso 1957). 
 Em 1587, o agricultor baiano, Gabriel Soares de Sousa, observou o importante papel das ilhas de Cabo Verde para a introdução de animais e cultivos no Brasil. 
Ele atribuiu a expansão do cultivo do arroz às sementes trazidas de Cabo Verde, e ainda a preferência dos escravos por inhame e comidas de origem africana, a argamassa e o pilão para o processamento do alimento, e o triunfo da dieta alimentar africana entre a população de escravos (Ribeiro, 1962: 152-56).

Transferência de tecnologia para o Brasil por escravos africanos. 
O simples ato de machucar temperos em nossa cozinha, identificamos a presença africana.
A mão-de-obra escrava, proveniente do continente africano, no Brasil Colonial, pertencia em sua maioria ao grupo linguístico Bantu, localizado nas regiões que atualmente correspondem a países como Congo, República Democrática do Congo (antigo Zaire), Angola e Moçambique. 
Esses grupos não apenas trouxeram sua mão-de-obra para os serviços domésticos, mas legaram também tecnologia.

O Pilão
Artefato primitivo de origem remota, o pilão de madeira, na época do Brasil-Colônia, já era utilizado na agricultura para socar alguns alimentos, tais como o milho e o café.
Os pesquisadores afirmam que essa ferramenta deve ter sido copiada dos árabes. 

Em 1638, nos terreiros próximos às portas das cozinhas, já havia registro do emprego de pilões, nos preparos da farinha de mandioca e óleo de semente de gergelim, em substituição ao azeite de oliveira. 

Câmara Cascudo (1954) ressalta que o pilão é uma espécie de gral ou almofariz, de madeira rija, como a sucupira, com uma ou duas bocas, e tamanhos vários, desde os pequenos, para pisar temperos, até os grandes, para descascar e triturar o milho, café, arroz, etc.

O pilão é um utensílio culinário essencial na cozinha africana, com as mesmas funções de um almofariz, ou seja, para moer alimentos, mas de tamanho muito maior. 
Não deve ser confundida com a peça de ponta arredondada de almofarizes mais pequenos. 
 Normalmente feito de um tronco escavado, geralmente de uma madeira macia, com dimensões que variam entre 30 a 70 cm de altura. 
Dentro da cavidade, coloca-se o material a moer, que é então batido com um bastão liso de 60 cm a 1,2 m (de acordo com o tamanho do pilão), o qual pode ser de uma madeira mais rija e que tem uma das extremidades arredondada - a mão do pilão. 

Para além de moer o grão, o pilão é também usado para descascar o arroz. 
Em Cabo Verde, essa técnica é até hoje utilizada para moer sobretudo o milho. 
O ato de pilar recebe o nome, em crioulo, de cotchi. 
Para sua confecção, utilizavam-se troncos de madeiras duras - como a maçaranduba, a peroba, a canela preta, o guatambu e o limoeiro - que eram escavados com fogo, e, sua haste (denominada mão de pilão), era feita com um pedaço aparelhado dessas madeiras. A altura de um pilão variava entre 30 e 70 cm e, uma haste, media de 60 cm a 1,2 m. 
No tocante à cultura rural brasileira, pode-se afirmar que todas as casas nas zonas rurais usavam algum pilão.


Sugestão de leitura: ARROZ DE VENEZA E OS TRABALHADORES DE GUINÉ:A lavoura de exportação do Estado do Maranhão e Piauí (1770-1800)

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