Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete A Arraia de Moqueca 
Arraia na Bahia, pode significar "pipa" em muito estados do Brasil, mas principalmente um golpe fundamental da Capoeira, o "rabo-de-arraia". 


Peixe muito comum na costa baiana, a Arraia é nome vulgar para a Dasyatis Guttatus, encontrada nos estados nordestinos, a partir do Rio de Janeiro, predomina o nome “raia”, talvez pela tradução direta “ray” - existem: sting ray, eagle ray, etc. 
A exceção é o litoral de Santa Catarina, onde esses animais são denominados de “arraias” e fazem parte da culinária local, tendo valor no mercado local. 
No litoral do Rio Grande do Sul, temos a maior diversidade de gêneros e espécies de batoidea. 
Por lá, eles consomem arraias salgada, ao modo bacalhau.

Interditos Alimentares
Alguns consideram a Arraia, um peixe reimoso, não se trata de nenhuma classificação científica e sim de uma expressão antiga, ligada à sabedoria popular. 
Ainda bastante utilizado no Nordeste brasileiro, o termo define alimentos que podem provocar inflamação na pele por reação alérgica. 
Também chamados de “alimentos carregados”, o que os reimosos costumam ter em comum é a alta concentração de proteína e gordura animal. Popularmente a "reima", pode ser considerado um alérgico, sujeito a provocar reações em determinadas pessoas, tais como :coceira, diarreia e até intoxicações mais serias.


Os índios Tupi, fantásticos sistematas, para cada espécie de arraia possuíam um nome vulgar: jabebira, narinari, aireba,, agereba, yabeburapeni, baepeçu. 
Um desses nomes em tupi, designa uma espécie do gênero Aetobatus, arraia pintada ou arraia cabeçuda. 

Gabriel Soares de Souza, 1587, registra em Notícias do Brasil, a ocorrência desses animais em nossas águas: “Arraias há na Bahia muitas, as quais chamam os índios jabubirá e são de muitas castas como as de Lisboa; e morrem à linha e a rede; há umas muito grandes e outras pequenas, que são muito saborosas e sadias”
Na Bahia uma moqueca de arraia é um prato consumido em bons restaurantes, mas, o melhor está nos restaurantes populares e botecos. 


O Rabo de Arraia e a Capoeira 
O rabo de arraia também chamado de Meia Lua de Compasso é um golpe de capoeira. É aplicado mais ou menos da seguinte forma: estando em uma posição lateral com relação ao seu oponente, agacha-se sobre a perna da frente enquanto a perna de trás é mantida estendida. 
O lutador, apoiando ou não as mãos no chão, aplica um golpe giratório, “varrendo” a área a sua frente com a perna estendida (em um movimento similar ao da cauda de uma arraia). 
 Dentro da capoeira, o rabo de arraia é classificado como um golpe traumatizante - um golpe para ferir - em oposição a um golpe desequilibrante - um golpe que visa desequilibrar o oponente. 
Pela descrição do golpe, pode-se perceber que o golpe combina beleza plástica com potência em um único movimento. 
Não é a toa que é um dos golpes mais famosos, senão o mais famoso, da capoeira, tanto que seu nome passou do léxico específico da arte marcial, para o vocabulário cotidiano.

As mulheres e a Capoeira 
Hoje em dia, é quase impossível assistir a uma roda de capoeira, em qualquer canto do mundo, onde não haja a presença feminina. 

As mulheres, com todo o direito, estão conquistando, mais e mais espaço nesse universo que durante muito tempo foi predominantemente um espaço masculino. 
A importância da mulher na capoeira vai muito além da graça e beleza que elas proporcionam a essa manifestação. 
A mulher sendo respeitada e valorizada numa roda de capoeira, garante que esse espaço seja cada vez mais um espaço democrático, onde a diversidade e a convivência harmoniosa entre os diferentes, significam um exemplo de tolerância e convívio social nesse mundo tão cheio de preconceitos e discriminações. 
Este exemplo é um dos ensinamentos mais importantes que a capoeira pode oferece às sociedades contemporâneas.   
A mestra Janja, uma das mestres de capoeira mais respeitadas do País, se ela acredita no Brasil. 
Assista à resposta. Leia a entrevista completa: http://bit.ly/2FEr3dx


Quincas Berro Dágua e a Moqueca de Arraia.
Um texto enxuto e denso, poético e debochado, A morte e a morte de Quincas Berro Dágua é uma pequena obra-prima de Jorge Amado. 
Com construção e estilo primorosos, trata do conflito entre a ordem instituída e a liberdade da boemia.

"à frente do grupo, a figura majestosa de Quitéria do Olho Arregalado"
de Carybé, ilustração para A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, de Jorge Amado. Editora Alumbramento ©1978

Na estoria do Anti-Herói, Quincas Berro D'Água, do nosso saudoso Jorge Amado, cachaceiro inveterado e grande comedor de Arraia de Moqueca, recusa-se a morte A morte e a morte de Quincas Berro Dágua conta a história da dupla - talvez tripla - morte de Joaquim Soares da Cunha. 
Teria ele morrido de morte natural, no leito pobre de um cortiço da ladeira do Tabuão, ou embarcado para o outro mundo algumas horas depois, no mar da Bahia, onde sempre desejara ser sepultado? Ou teria partido antes, quando caiu na vida dissoluta da capital baiana? Para desgosto da família, Joaquim Soares da Cunha, o Quincas, decidira largar tudo. 
A certa altura da vida, deixara de ser funcionário exemplar, pai, esposo e cidadão de bem para se juntar à malandragem da cidade, tornando-se o “cachaceiro-mor”, o “rei dos vagabundos da Bahia”. 
Certo dia, amanheceu morto. Para o velório, os familiares tentam restaurar o respeito pelo falecido e o vestem com elegância. 


Mestre Waldemar no primeiro Berimbau, Mestre Atenilio, Mestre Curio de Pastinha e Mestre Zacarias

No caixão, porém, Quincas ostenta um sorriso maroto. 
Estaria mesmo morto? À noite, chegam os companheiros de farra: Curió, negro Pastinha, cabo Martim e Pé-de-Vento. 
Os amigos de boa vida, embalados pela cachaça, dão de beber ao defunto e levam Quincas para passear pelas ruas da cidade até a orla. 
Ali, junto de seus amigos e de sua amante, Quitéria do Olho Arregalado, Quincas Berro Dágua vai encontrar seu derradeiro destino. 

Maria 12 Homens e Angélica Endiabrada 
Maria 12 Homens, uma capoeirista, assídua frequentadora das rodas do Cais Dourado e da rampa do Mercado Modelo.



Uma era calada, cara que não se abria pra qualquer um, jeito duro de andar e gesticular. 
A outra faladeira, sempre metida em algum bate-boca por causa de galinha de vizinho ou fofoca de vida alheia. 
Bastava começar uma discussão ou uma briga e pronto… parece que o diabo tomava conta dela! 
Com Maria Doze Homem ninguém bulia não… todo mundo respeitava e ate temia. 
Aquela cara amarrada e aquele jeito esquisito, metia medo em qualquer que fosse. Mesmo os valentões do pedaço, nem pensavam em ousadia pros lado dela. 
Mas a Angélica, ah… essa era esculhambada… vivia contando piada e gargalhando pela rua. 
Do que vivia, ninguém sabe não, mas o seu quartinho lá no Taboão, era um entra e sai de homem de todo o tipo: marinheiro, estivador, beberão, e até doutor. Mas um dia… num é que a tal endiabrada resolveu se meter com a Maria, por causa de uma moqueca de arraia? 
É, o Zeca Pescador prometeu uma arraia, das grandes, para Angelica, mas quando chegou no cais, não encontrou a danada e vendeu o peixe foi para a Maria mesmo, que não sabia de nada e logo subiu pro Taboão pra preparar a tal moqueca. 
Quando Angélica chegou já era tarde e não teve duvida, foi tirar satisfação com a vizinha. 
O fuzuê tava armado!!! Angélica começou a xingar Maria do lado de fora, na rua mesmo, esperando que a vizinha saísse. E o cheiro da moqueca começando a subir. 
Quando Maria surgiu na porta, com aquela cara enfezada, foi um Deus nos acuda, já foi partindo pra cima da Endiabrada soltando pernada e cabeçada. 
As duas rolavam pelo chão, e não tinha cristão que conseguisse apartar não. 
Chamaram até a polícia, mas foi ai que a coisa mudou de figura, porque uma coisa elas tinham em comum: num gostavam de policia não!!! 
Acho que foram uns sete soldados que chegaram, todos afoitos para apartar a confusão. 
Quando as duas perceberam a presença dos milicos, saíram distribuindo sopapo e pontapé pra todo lado. 
Era cada cabeçada e cotovelada que desnorteava os coitados, que ficavam sem poder nem reagir. 
Foi quando Maria 12 Homem tirou a navalha, escondida dentro do cabelo. 
Então começou a cortar quem tava pela frente. A confusão se armou de vez, e até o povo que assistia se meteu na briga, pois sempre tem um valentão querendo tirar suas casquinhas em briga com polícia. 
Foi o suficiente pras duas escaparem, correndo juntas pros lados da Barroquinha. 
Dizem que depois desse dia, as duas não se largavam mais, andando sempre juntas, pra baixo e pra cima, comprando peixe e fazendo moqueca. * 

 * Nota: Texto construído a partir de informações contidas nos livros “No tempo dos valentões: os capoeiras na cidade da Bahia” de Josivaldo Pires de Oliveira (2005, p.78) e “ A capoeira na Bahia de todos os santos” de Antonio Leberaque C.S. Pires (2004, p.113) 

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