Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana Feijoada de Ogum
Verbete F-Feijoada de Ogum
Fé e religiosidade andam juntos na Bahia.
"Existe uma intima relação entre o Feijão e o Orixá Ogum, ambos representam elementos da agricultura a força do ferro, elemento que por um lado simboliza à saúde e por outro a luta, a renovação e a resiliência."
Ogum é o "centro dinâmico" da nossa psique, capaz de abranger, integrar, sintetizar e até transcender as forças contrarias, que atuam dentro de nós.
Ogum ou Ogundelê (em iorubá: Ògún) é, na mitologia iorubá, o orixá ferreiro, senhor do ferro, da guerra, da agricultura e da tecnologia.
O próprio Ogum forjava suas ferramentas, tanto para a caça, como para a agricultura e para a guerra.
O orixá Ogun é um dos mais amados na cultura ioruba. Em primeiro lugar porque ele foi o primeiro ferreiro. Como foi ele, também, quem descobriu a fundição e inventou todas as ferramentas que existem.
Com a foice ele abriu os primeiros caminhos para o resto do mundo, o que dá a ele o poder de abri-los ou fechá-los. Com a faca ele fez o primeiro sacrifício ritual.
Com o ancinho ele arou terras e plantou, com a tesoura cortou peles e inventou os abrigos.
Com o machado cortou árvores para construir abrigos, com o martelo pode unir com pregos que inventou, os troncos. Com a cunha pode levantar grandes pesos e assim aconteceu de Ogum, com a espada que forjou, guerreou e conquistou territórios para seu povo.
Ele, no entanto, não quis ser rei, pois preferia os desafios ao poder.
Continuou lutando e inventando para sempre.
De acordo com Pierre Verger, o arquétipo de Ogum é o das pessoas fortes, aguerridas e impulsivas, incapazes de perdoar as ofensas de que foram vítimas.
Das pessoas que perseguem energicamente seus objetivos e não se desencorajam facilmente. Daquelas que, nos momentos difíceis, triunfam onde qualquer outro teria abandonado o combate e perdido toda a esperança.
Das que possuem humor mutável, passando de furiosos acessos de raiva ao mais tranqüilo dos comportamentos.
O mito tem funções determinadas nas sociedades antigas e primitivas. Inicialmente, ele serve para acomodar e tranquilizar o homem num mundo perigoso e assustador, dando-lhe segurança. O que acontece no mundo natural passa a depender, através de suas ações mágicas, dos atos humanos. Além disso, o mito também serve para fixar modelos exemplares de todas as atividades humanas.
O ritual é a repetição dos atos dos deuses, que foram executados no início dos tempos e que devem ser imitados e repetidos para as forças do bem e do mal se manterem sob controle. Desse modo, o ritual é uma atualização dos acontecimentos sagrados que tiveram lugar no passado mítico.
O mito primitivo é sempre um mito coletivo. um fator de sobrevivência que precisa ser assegurada, existe antes do indivíduo. É só através do grupo que os sujeitos individuais se reconhecem enquanto tal.
O indivíduo só tem consciência, só se conhece como parte do grupo, da tribo, através da existência e do reconhecimento dos outros, ele se afirma enquanto ser humano.
E a Feijoada de Ogum, vem sendo uma tradição que se repete na Bahia, onde mais uma vez a comida assume o status de elo entre a comunidade.
Segundo o antropólogo Raul Lody, "As tradições são invenções, mas são principalmente transmissões que afirmam as maneiras peculiares de interpretar os costumes."
No caso da Bahia, especialmente no Recôncavo, há um desejo de marcar e de expressar os territórios de “matriz africana”. E, sem dúvida, neste desejo a comida tem significado muito especial.
Ela expõe segmentos étnicos e possibilita experimentar memórias de paladares que dão identidades e referências culturais.
Sou mais meu Mulatinho!
A feijoada na Bahia, sempre foi preparada com Feijão Mulatinho devido a sua estrutura mais complexa e dura, ele resiste mais a temperatura sem romper o grão, com a chegada do carioquinha – que recebeu esse nome por causa das suas listras, que lembram o calçadão de Copacabana – foi desenvolvido a partir de mutações e cruzamentos de outras variedades de feijão marrom, como o jalo e o mulatinho. Esse feijão turbinado produz o dobro das variedades tradicionais e, com preço mais acessível, dominou todo o país.
A Feijoada da Bahia, tem características próprias, normalmente usado o feijão mulatinho, alem de carnes variadas, utilizava também, vísceras, como o Bofe e o Fato e o Mocotó, com o advento da sofisticação das cozinhas, e a cultura de eliminação das gorduras, alguns destes elementos foram sendo deixado de lado, o que para muitos contribuiu para uma perda significativa de identidade.
Outra característica diz respeito aos temperos, onde sao utilizados o hortelã grosso e o cominho, que conferem um sabor todo especial.
Segundo o historiador Carlos Antunes, da Universidade Federal do Paraná, a origem dessa diferença é dos tempos do Brasil colonial.
Para ele, o consumo de feijão no Sul e Sudeste do Brasil seguiu o caminho de dois tipos de viajantes: os tropeiros e os bandeirantes. Como esses exploradores iam fundando cidades por onde passavam, cada região acabou herdando o gosto de seu colonizador.
Em matéria de feijão, o brasileiro é quase unânime – dominando 71% da produção, o tipo conhecido como carioca é o melhor amigo do nosso arroz. O que quase ninguém sabe é que o feijão mais popular do país do arroz-com-feijão só existe há 30 anos.
O que pouca gente sabe é que o feijão, do tipo carioquinha, geneticamente modificado e desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Durante muitos anos, as pessoas que são contra essa tecnologia sempre disseram que é uma tecnologia para grandes produtores, para commodities (produtos básicos de comercialização no mercado financeiro), e feita apenas por empresas multinacionais."
Os tropeiros, mercadores de produtos da agropecuária gaúcha, consumiam feijão-preto sem caldo e com farinha de mandioca, linguiça e toucinho, para facilitar o transporte e conservação. Já os paulistas, goianos e mato-grossenses foram influenciados pelos bandeirantes, que levavam feijão marrom e com caldo em farnéis, bolsas de couro impermeáveis.
O Rio de Janeiro aderiu ao feijão-preto quando a feijoada foi inventada, no século 19, e acabou abolindo todos os outros tipos da leguminosa.
Fé na Festa.
Procópio d'Ogum
No candomblé a comida mais importante do Orixá Ogum é o Inhame, apesar disso a cerca de cinquenta anos surgiu a tradição da feitura da Feijoada como simbolo mítico do Orixá, pelas mãos do Babalaô Procópio Xavier de Souza(1868-1958 )no final do século XIX, foi iniciado para o ancestral Ogum , pela sacerdotisa Marcolina da Cidade de Palha.
Após, esse período, abriu seu próprio templo dedicado a seu éborá: Ilê Ogunjá.
O número de pessoas iniciadas, além da famosa feijoada anual oferecida a Ogum (patrono do terreiro), que mais tarde ficou conhecida como "feijão do Procópio", bastante contribuíram para o reconhecimento do terreiro. Donald Pierson, cita mesmo uma festa com 208 espectadores no interior da casa, e aproximadamente outros duzentos "que movimentavam-se do lado de fora do barracão".
Outro fator fundamental para o seu reconhecimento foi o fato de ter participado da legitimação da religião dos orixás (do candomblé), durante a perseguição às religiões afro-brasileiras promovida pelas autoridades do Estado Novo.
Sobre a Feijoada de Ogum , conta-se: "Que um dia Procópio estava comendo em sua casa.
Chegou um filho de santo, com quem ele tinha brigado. Então, Procópio manda ele embora com outra briga. Com isso, comete um grande erro para o candomblé: negar comida a um filho de santo. O santo pegou Procópio e falou que ele estava multado.
Na semana seguinte, ele deveria fazer uma feijoada no terreiro convidando todo o mundo" (Entrevista realizada com Mãezinha - afilhada de Procópio, por Ricardo Oliveira de Freitas). Colocava-se uma esteira no chão, na ponta da esteira a panela de barro com a feijoada. Todos deveriam, ali, comê-la. Ao tocarem na comida, todas as filhas de santo "caíam no santo". Não era uma feijoada como costumeira, mas uma feijoada com preparos, temperos e carnes especiais.
Profundo conhecedor das ervas, possuía uma quitanda (herbário) no Gravatá, perto de sua residência. Possuía profunda relação com o terreiro do Alaketu, tendo auxiliado Dona Dionísia (mãe de santo àquela época) na iniciação religiosa de dezenas de "barcos", entre estes o barco da iyalorixá do terreiro, Olga Francisca Régis (Olga de Alaketu) e Tia Delinha d'Ogum (com casa no bairro de Miguel Couto, em Nova Iguaçu), de quem foi Pai Pequeno.
Eram terreiros irmãos e por isso possuíam casas especiais para abrigar os irmãos da comunidade visitante. Essa parceria entre os dois terreiros fez com que objetos rituais do Terreiro do Alaketu, que estavam em temporada no Ilê Ogunjá, fossem apreendidos pela polícia de Pedrito como peças do terreiro de Procópio, o que comprova a imensa familiaridade entre Procópio e Dionísia Francisca Régis.
Além da polícia, Procópio d'Ogum também não era aceito por alguns templos religiosos (axés), na Bahia. Era odiado e pejorativamente considerado homossexual, simplesmente porque, segundo esses axés hegemônicos, homem somente poderia ser ogan, e não iniciado para elegun (rodante). No entanto, por ser bastante "brigão", impunha respeito à força.
O alufá malê Procópio faleceu em 1958, com idade ignorada por conta do ano de nascimento ser incerto.
O sr. Vicente de Matatu foi quem realizou o cerimonial de axexê de Procópio. Seu filho adotivo Hélio morreu aos 33 anos de idade, por morte estranha, após abrir as portas do Ilê Ogunjá e mostrar ao público tudo o que lá havia. Todo o enorme espaço sagrado do templo (Vale d'Ogunjá) foi invadido e tomado, e seus pertences sagrados foram queimados.
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